terça-feira, 1 de setembro de 2015

Fragmento de um livro de memórias interrompido II

Ur
Uruk
Nipur
 Lagash,
 Kish
 e Eridu.

[Fiz questão de memorizar os nomes das cidades mesopotâmicas que arrastava comigo como um rabo escadaria abaixo, ao sair da biblioteca.
Eram dias arejados e me empenhava em estudar coisas por mim mesmo, embora acabasse caindo em um estado meditativo e letárgico ao olhar as fotos do museu de Bagdá.
 Imaginei uma estória em que encontrava uma moeda rara no jardim em frente à escola. Ansiava por coisas remotas, e a antiguidade me recompensava com sua aura mágica.

 Ainda não consigo aceitar que aquele curioso dragão babilônio que vi em um desses livros pode ter sido destruído nos bombardeios de 2003]. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Rublev

Primeiro quarto do século XV:
                                 Respingos de água na tela distorcem a visão do
espectador .


Assim morre Foma,
o inexperiente ajudante de Rublev.

(Na verdade, Foma é acertado nas costas por uma flecha
durante uma invasão tártara a Vladimir).

Ao cair no rio,
                        a água é impulsionada
  e  assim vemos
 em câmera lenta
                        os respingos embotando o vidro.

 Mas o esvair da vida ganha reforço
quando vemos as tintas desse aprendiz de pintor
 dissolver-se
                  languidamente


rio abaixo

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Fragmento de um livro de memórias interrompido

VII
O que chegou até mim dos meses em que anotei meus sonhos? Naturalmente, apenas as imagens (narrativas) tortas, vertiginosas ou aquosas dos últimos. Elas varreram todos os demais acontecimentos e se cristalizaram num estrato furta-cor. Lá está o labirinto vertical – um morro com trilhos cheios de cascalhos – onde teria rompido meu joelho e esperado ansiosamente o sangue escorrer (o que não aconteceu, para meu grande incômodo). Lá também se encontram as praias inalcançáveis, as piscinas lamacentas, e a longa avenida onde as pessoas caminhavam despreocupadamente com água até os tornozelos. Em uma mata, zanzava incessantemente em busca/em fuga de um par de olhos desincorporados escondidos entre arbustos. Em uma espécie de canyon, não conseguia voltar ao entreposto e continuava a zanzar madrugada a fora, me distanciando cada vez mais de onde deveria estar. 



quarta-feira, 29 de julho de 2015

I arise with the mist                                             
 of a thousand voices:                             :
A thick blanket of bees.                
                                                            
They pierce me with their being,             
with the sad hint                                  
We’re part of the same scheme.                                       

Apart, lies a world that                           
 is not living.                                                
A soothing sense of                                        
 suspension unbinds                                                   
 my feet.                                                        
I hear a soundless murmur:      .
And human hubbub                                          
 gives way                                                         
To a balmy void.                                                                     


           

   

segunda-feira, 27 de julho de 2015


De retalhos fazemos as coisas
também de pecinhas
mordidas
largadas em caixas carcomidas

com restos arrastamos os rastros
em barbantes rotos atrás de nós mesmos

e as ideias que pensamos tão novas
alinhavam-se em
listras de coisas pensadas antigamente

aparas, fiapos, cadarços,
um botão de camisa desprendido
tudo volta, aquilo que quisemos
e o que não

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Scapes

landscapes and lovescapes
beescapes buzzing from a trunk
a scapespace of loveliness


bloodscapes clotting in little islands
pulsing and scaping
like fine flour through a sieve
through a hive
through a scape
of eyes and nerves through the night
a vision and a feeling
and then the nothingness of peacefulness 

In a world turned purple
with radioactive fog
water drops
in gigantic
balls
their brilliancy so tangible

it liquefies the air.  
Sem peso

As janelas abertas,
o vento correndo por todos os lados.

Um espaço feito de vento, as folhas sempre agitadas,
 os sons saindo e entrando como pequenos grãos.

Ao cair da tarde, ele me leva ao lago de fogo
suspenso no horizonte.
 O lago se expande, a cidade se entorta, o lago...


Com ele dissolvo-me também, 
fico solto e impassível.
Olho pras coisas duras lá em baixo,
e elas já não estão.
Não quero, não penso,
despejo uma luz bem fina.

Sem peso, sem lentes, não sou
As poças

As poças contam
sobre os dias de chuva nas vielas cinzentas:
transeuntes mofados
guarda-chuvas descosturados
a poeira do concreto
e a poeira da gente
imagens implodidas

várias espécies de vermes