quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Rublev

Primeiro quarto do século XV:
                                 Respingos de água na tela distorcem a visão do
espectador .


Assim morre Foma,
o inexperiente ajudante de Rublev.

(Na verdade, Foma é acertado nas costas por uma flecha
durante uma invasão tártara a Vladimir).

Ao cair no rio,
                        a água é impulsionada
  e  assim vemos
 em câmera lenta
                        os respingos embotando o vidro.

 Mas o esvair da vida ganha reforço
quando vemos as tintas desse aprendiz de pintor
 dissolver-se
                  languidamente


rio abaixo

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Fragmento de um livro de memórias interrompido

VII
O que chegou até mim dos meses em que anotei meus sonhos? Naturalmente, apenas as imagens (narrativas) tortas, vertiginosas ou aquosas dos últimos. Elas varreram todos os demais acontecimentos e se cristalizaram num estrato furta-cor. Lá está o labirinto vertical – um morro com trilhos cheios de cascalhos – onde teria rompido meu joelho e esperado ansiosamente o sangue escorrer (o que não aconteceu, para meu grande incômodo). Lá também se encontram as praias inalcançáveis, as piscinas lamacentas, e a longa avenida onde as pessoas caminhavam despreocupadamente com água até os tornozelos. Em uma mata, zanzava incessantemente em busca/em fuga de um par de olhos desincorporados escondidos entre arbustos. Em uma espécie de canyon, não conseguia voltar ao entreposto e continuava a zanzar madrugada a fora, me distanciando cada vez mais de onde deveria estar.